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Contabilidade consultiva existe?

Recentemente um tema bastante falado no meio contábil e corporativo é “contabilidade consultiva”.

Recentemente um tema bastante falado no meio contábil e corporativo é “contabilidade consultiva”. Este assunto tem sido comentado em postagens de redes sociais, artigos, seminários, eventos e os debates, em sua maioria, são bem-intencionados. Mas, afinal, o que é isso?

O que é afinal a contabilidade consultiva?

Há quase 20 anos, o eterno professor Antônio Lopes de Sá resumiu algo importante para compreendermos as origens da expressão:

“Uma nova visão da profissão do contabilista surgiu e agora parece estar passando por uma nova fase de gigantismo, segundo reconhecem os mais sensatos observadores. O caminho da ciência deu novos rumos à nossa disciplina, assim como, em parte, o empirismo também assumiu novas formas e aspectos de uma relativa grandeza. De há muito defendendo a posição de “valorização do profissional”, fazendo ver que o caminho científico é o correto e que só este pode ser o sustentáculo de uma consultoria eficaz. Cada vez mais competitivo, o mundo dos negócios exige que os empresários estejam bem orientados. A função moderna e verdadeira do profissional da Contabilidade é, pois, a de um consultor sobre assuntos da riqueza das empresas.”

Lopes de Sá foi preciso ao descrever a função moderna e verdadeira do principal operador da ciência contábil. E foi ainda mais longe ao prever a substituição das tarefas relacionadas com a escrituração contábil e apuração de tributos.

“A antiga função do simples registro foi sendo substituída pela da orientação sobre as coisas registradas, ou seja, a de oferecer opiniões de como estão caminhando os negócios e a gestão deles. Ninguém melhor que o Contador pode executar essa tarefa, porque só ele bem entende a mecânica das contas e o que elas fornecem de informação competente para que se tomem decisões. O papel de apenas informante de saldos ou de zelador de assuntos fiscais, vem sendo cada vez mais superado, pois, se substitui pela tecnologia avançada da informática.”

E a tecnologia? Para que serve neste contexto?

Lopes de Sá ainda previu que a tecnologia libertaria o contador das atividades de baixo valor agregado:

“O que se extingue não é a profissão, como difundem os leigos sobre nossos assuntos, mas, uma das funções que nos absorvia muito tempo e até nos impedia de exercer a verdadeira e que é a de explicar os fatos e traçar modelos de comportamento da riqueza. Ao contabilista, agora, já está sobrando tempo para o exercício de sua mais importante responsabilidade e que é a de oferecer comentários sobre o comportamento do capital e modelos para decisões administrativas. “

Quais são os níveis de serviços que uma empresa contábil pode oferecer?

Mais recentemente, Gary Boomer, CPA (Certified Public Accountant – USA), descreveu esta transformação no papel do contador e desenhou um cenário demonstrando que empresas de serviços contábeis podem oferecer três níveis de serviços: conformidade legal, consultoria para melhoria do desempenho empresarial e consultoria estratégica.

A maioria dos contadores se encontra no nível conformidade legal, fase em que o seu papel é auxiliar o cliente com o cumprimento de obrigações fiscais e tributárias. Este é o nível onde a robotização caminha de forma acelerada. Nele há menor aplicação da inteligência criativa e social.

Alguns escritórios de contabilidade já superaram a fase inicial e foram para o nível de consultoria para melhoria do desempenho, quando apresentam relatórios que permitem a análise de dados importantes para o crescimento da empresa. Nesta fase, o profissional da contabilidade percebe que a comunicação, empatia e experiência do cliente são tão importantes quanto as atividades técnicas para a produção das análises. Neste nível de serviços há grande aplicação da inteligência criativa e social.

Consultoria Estratégica – agregando valor no dia a dia do empresário

No terceiro estágio, o da consultoria estratégica, há uma pequena quantidade de escritórios oferecendo serviços de planejamento tributário, estratégico, avaliação de empresas e consultorias para fusões e aquisições. Obviamente que o mercado consumidor destes serviços é composto por um perfil muito diferente de empreendedores.

Para realizar estes serviços, aplicação da inteligência criativa e social é imprescindível.

Tarefas de inteligência criativa. Os processos psicológicos subjacentes à criatividade humana são difíceis de especificar. A criatividade é a capacidade de criar ideias ou artefatos novos e valiosos. Um processo de criar ideias (e semelhantemente para artefatos) envolve fazer combinações não familiares de ideias familiares, exigindo uma rica reserva de conhecimento. O desafio aqui é encontrar meios confiáveis para chegar a combinações que “façam sentido”. Para um computador fazer uma piada sutil, por exemplo, seria necessário um banco de dados com uma riqueza de conhecimento comparável à dos humanos e métodos de benchmarking, a sutileza do algoritmo.

Tarefas de inteligência social. A inteligência social humana é importante em uma ampla gama de tarefas, como as que envolvem negociação, persuasão e cuidado. Para auxiliar a informatização de tais tarefas, pesquisas estão sendo realizadas nos campos de Computação Afetiva e Robótica Social. Os robôs podem até reproduzir alguns aspectos da interação social humana, mas o reconhecimento em tempo real das emoções humanas naturais continua sendo um problema desafiador, e a capacidade de responder de maneira inteligente a essas informações é ainda mais difícil.

O que empresas contábeis inovadoras estão fazendo?

Rob Nixon, mentor de empresários da contabilidade, defende que as margens tradicionais dos contadores estão sob enorme ameaça devido à comoditização dos serviços de compliance. Segundo ele, empresas inovadoras no mercado contábil estão fazendo este trabalho duas vezes mais rápido pela metade do preço:

“87% das receitas da profissão contábil estão focadas em compliance – mas isso está se tornando commodity devido à adoção de tecnologia. Cada uma das quatro grandes empresas do setor contábil está gastando em torno de US $ 250 milhões por ano em inteligência artificial e tecnologia de aprendizado de máquina para oferecer serviços de baixo custo – isso é comoditização. Ele alerta que os contadores precisam deixar de ser “contadores de dados redundantes e começar a se tornar contadores em tempo real”.

Seu ponto de vista é que a maioria das receitas futuras está no trabalho de consultoria empresarial e em ser o consultor de confiança:

“Contadores em tempo real prestam consultoria antes que algo aconteça usando análise preditiva e serviços de valor agregado”.

Então existe essa tal contabilidade consultiva?

Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins, Stephen Kanitz e outros professores da USP (Contabilidade Introdutória, 2010, Atlas) descrevem, de forma sucinta que:

“A Contabilidade, na qualidade de ciência social aplicada, com metodologia especialmente concebida para captar, registrar, acumular, resumir e interpretar os fenômenos que afetam as situações patrimoniais, financeiras e econômicas de qualquer ente, seja este pessoa física, entidade de finalidades não lucrativas, empresa, seja mesmo pessoa de Direito Público, tais como Estado, Município, União, Autarquia etc., tem um campo de atuação muito amplo. Na verdade, o desenvolvimento inicial do método contábil esteve intimamente associado ao surgimento do Capitalismo, como forma quantitativa de mensurar os acréscimos ou decréscimos dos investimentos iniciais alocados a alguma exploração comercial ou industrial. Não é menos verdade, todavia, que a economia de mercado e seu florescer foram, por sua vez, fortemente amparados pelo surgimento e aperfeiçoamento das partidas dobradas, o que equivale a dizer que se verificou uma interação entre os dois fenômenos”

José Carlos Marion (Contabilidade Básica, 2016, Atlas), por sua vez, define a contabilidade como:

“Instrumento que fornece o máximo de informações úteis para a tomada de decisões dentro e fora da empresa. Ela é muito antiga e sempre existiu para auxiliar as pessoas a tomarem decisões. Com o passar do tempo, o governo começa a utilizar-se dela para arrecadar impostos e a toma obrigatória para a maioria das empresas. Ressaltamos, entretanto, que a Contabilidade não deve ser feita visando basicamente atender às exigências do governo, mas, o que é muito mais importante, auxiliar as pessoas a tomarem decisões.”

Considerando que consultoria é quando um especialista dá seu parecer sobre o tema que domina, então a contabilidade sempre foi consultiva e analisando os conceitos fundamentais fica evidente a natureza desta ciência.

Surge assim uma conclusão óbvia: se considerarmos que agora existe uma “contabilidade consultiva”, teríamos que admitir que anteriormente havia uma “contabilidade não consultiva”. Esta situação, além de contraditória, não encontra base científica alguma.

Para compreender este movimento popular que se denomina “contabilidade consultiva”, podemos relembrar os ensinamentos de Lopes de Sá:

“Muita gente não sabe efetivamente o que é contabilidade. Porque entende que contabilidade é apenas escrituração. É apenas um balanço que se demonstra, um lucro que se apresenta, esquecendo-se de que isso é apenas informação. E de nada adianta informar se não sabemos o que fazer com a informação. (…) Ou seja, a explicação dos fatos, a interpretação dos acontecimentos compete exatamente ao contador”. E ainda completa afirmado que a prosperidade das empresas está nas mãos dos administradores “assessorados pelos técnicos que competentemente conhecem sob que condições a riqueza se torna próspera. É isso que faz da contabilidade uma ciência!”.

Com tudo isso, o que se tem de fato é que a tecnologia permite, cada vez mais, aos profissionais da contabilidade a aplicação da ciência. Simples assim.

A ciência da Riqueza

Para descontruir uma crença de que serviço de contabilidade se refere apenas à entrega de obrigações e cálculo de tributos, alguns estão utilizando a expressão “contabilidade consultiva”. O termo é quase um pleonasmo. Mas, vale a boa intenção dos profissionais da área que querem reforçar o movimento de mudança do nível básico para os de maior valor ofertado aos clientes. O mais importante é não ficarmos só no discurso. Todos precisam aplicar, de fato, a ciência da riqueza, conforme os mestres nos ensinam.